No FIDOCS, a história é maior

O FIDOCS é o Festival Internacional de Documentário de Santiago, Chile, foi criado pelo realizador Patrício Guzmán em 1997. Para se ter uma rápida ideia de quem é Guzmán, vale dizer que ele está entre os maiores realizadores da história do documentário dada sua filmografia em torno do Golpe Militar de Pinochet ocorrido em 11/09/1973.

Um resumo: o Golpe, articulado com apoio da Cia sob a égide da Operação Condor, é um tema recorrente especialmente em duas trilogias de Guzmán, a primeira composta pelas três partes do mesmo filme “A Batalha do Chile” (1973/1979) e a segunda composta por três obras distintas que percorrem as afinidades de três personagens distintos comuns ao Golpe: “Chile, a memória obstinada”, “O Caso Pinochet” e “Salvador Allende” (2004). A minha intenção era conhecer tanto o Festival e suas atrações fílmicas quanto as locações históricas que compõem a história do Chile e, por extensão, a filmografia de Guzmán.

ENTRE ATRASOS E ABONOS
Dizem que a primeira impressão é a que fica. Se assim for, vejamos: segundo a divulgação do Festival, a venda de ingressos começaria às 10h do dia 23/06. Porém, a informação que obtivemos nesse momento era a de que os ingressos só seriam vendidos às dez horas da manhã do dia seguinte... Éramos quase uma dezena de pessoas aguardando a tal notícia.... No dia seguinte, a cena se repete no mesmo horário... E uma significativa fila teve que aguardar certa confusão dentre os organizadores que atrasou não só a venda dos bilhetes como também a première com o filme chileno “A Valsa dos Inúteis”. Para garantir a sessão, deixamos nossos nomes na bilheteria e fomos pro filme, que teve uma exibição de alta qualidade contando com a participação do realizador pra um breve bate-papo após o filme. As entradas individuais custavam 2,5 mil pesos chilenos, cerca de R$ 10. Já o abono que dava direito a dez filmes custava 10 mil pesos, ou seja, cada filme sairia por cerca de quatro reais. Quanto aos valores, me parece questionável cobrar pelas sessões, uma vez que todas as mídias, tanto as impressas quanto as digitais, trazem uma coleção de patrocinadores... Além disso, da mesma forma que o grande circuito comercial, todas as sessões eram precedidas por trailers de cerca de dez minutos que traziam as marcas de todos patrocinadores e um, somente um teaser de outro filme da programação. Quando digo que a cobrança é questionável é porque se trata de saber coisas como: por que a cobrança além do grande número de patrocinadores? Se há patrocinadores, então por que não disponibilizar gratuitamente catálogos e bolsas para o público frequentador? Em tempo: estes recursos também são rateados entre os realizadores? Enfim, a cobrança desses valores destoa das experiências que tive em outros festivais latino-americanos...


LAS FUNCIONES Y LOS AUTEURS
Dentre os grandes atrativos de qualquer festival de cinema estão, sem dúvida, as master classes. Para quem não sabe, elas são promovidas a fim de colocar em contato direto com o público realizadores significativos que das duas uma: ou trazem uma forte experiência no mercado de trabalho ou são realizadores promissores que estão se destacando devido aos questionamentos e aos deslocamentos que trazem para a linguagem artística em questão, em nosso caso o documentário. Nesse 2014, ambas master classes ficaram por conta de dois jovens: Lois Patiño e Pauline Horovitz. Bem, depois de conhecer a obra de Cao Guimarães e se impressionar com a potencialidade de uma Petra Costa, faltou muito de master nas classes do FIDOCS desse ano...

Por outro lado, o Festival tem uma programação interessante que procura contemplar competições nacionais e internacionais tanto para longas quanto para curtas-metragens. Além disso, há exibição de clássicos como os de Lanzman e Wiseman e também há janelas com foco específicos como os Direitos Humanos e alguns auteurs, isto é, realizadores. Dentre eles, a grande surpresa que tive foi o cinema de Néstor Frenkel, um argentino gente fina que opera de maneira genial entre o documentário e a ficção. Um cinema elegante e bem humorado que trata suas personagens com uma dignidade rara na cena contemporânea. Em linhas gerais, os longas estavam bem consistentes e procuravam dar relevo a temas contemporâneos desde temas relativos à efeméride dos fatos como o uruguaio Tiranos temblad até questões em torno do debate sobre sexualidade, a exemplo do impactante Yo nena, yo princesa.

Entre vestígios e sinais: uma representação do óculos de Allende no Museu de História

FIDOCS: "VER ÉS VOLVER A VER"
Aqui estão algumas sugestões que eu daria a quem quiser conhecer o FIDOCS: a) prepare-se com grana; b) procure conhecer (bem) os convidados para as master class, isto ajuda a evitar desapontamentos; c) pense num “plano b”, ou seja, o festival te permitirá tempo para outras atividades.

Abraços!
Fábio Monteiro

O DOCMontevideo vale duas viagens

Master class. Pitchings. Marta Andreu. Eis os principais temas que levaram a conhecer o DocMontevideo em 2013. Porém, se as master classes e os pitchings já eram certezas, a grande surpresa ficou por conta de Marta Andreu, uma professora genial da Universidade Pompeu Fabra e que é capaz de passar dias mantendo teso o arco da conversa sobre documentarismo por dias a fio.



AS LOCAÇÕES
O DocMontevideo/2013 ocorreu no Teatro Solis e também na famosa Torre da Anatel. O Teatro acolheu as principais exibições comentadas e também os pitchings. O Solis fica na região central de Montevideo, então uma boa opção pra quem quer frequentar o festival é o "Hotel Splendido": ele fica em frente ao Solis e, além disso, a sua rua à noite se transforma numa espécie de "Augusta" de Montevideu, há bares para todos os gostos.

Por sua vez, a Torre da Anatel acolheu as Master Classes da Marta Andreu. O acesso à Torre é meio complicado, já que ela fica numa região industrial, um tanto inóspita. Então, é preciso se preparar para frequentar as aulas por ali porque não há um comércio ao redor pra vender sequer um café que nos ajude a suportar o frio.

MASTER MARTA ANDREU CLASSES
Uma das curadoras do festival, a Marta ministrou uma série de aulas sobre documentarismo contemporâneo tendo como principal recorte a construção da temporalidade. Em outras palavras, ela tratou de abordar uma série de filmes que problematizam a noção de tempo na construção da linguagem documental. Dentre as muitas referências marcantes de seus encontros, eu citaria o cinema de Lech Kowalski, um polônes globetrotter citado muitas vezes até que tivemos a oportunidade de bater um papo como ele via skype: o detalhe é que ele estava encurralado num rincão do Leste Europeu acompanhando a luta de fazendeiros contra a presença da Chevron. Penso que o cinema de Kowalski era uma referência constante nas apresentações de Marta devido à tênue fronteira que existe entre sua biografia e sua filmografia. Além disso, talvez seja interessante notar que Kowalski apresenta um cinema urgente no sentido de guardar uma íntima relação com os fatos; no sentido de se valer de uma estranha simbiose com a história, pois à medida que ele registra os acontecimentos, suas câmeras também definem os fatos que, de maneira recíproca, definem sua linguagem documental. Kowalski talvez seja uma espécie de borderliner: seu cinema é uma lanterna na proa do contemporâneo.

PITCHINGS
Esses eventos foram uma grande experiência, pois através deles é possível ter um bom exemplo de como é possível estimular o cinema independente fomentando contato direto e dinâmico entre os realizadores, produtores e distribuidores. Para quem não sabe o que é um "pitching": o festival convida produtores e distribuidores do mundo inteiro interessados em documentário independente, por exemplo o Canal Futura, o National Film Board (Canadá), ARTE (Fra/ Ale), Al Jazeera, gente da Venezuela e de Cuba, enfim. O realizador se senta à mesa composta pelos distribuidores e tem, no máximo, sete minutos pra dar conta do recado: falar de seu projeto, apresentar um teaser e pedir uma grana para a realização ou finalização do filme. Ou então apoio para sua divulgação. Toda essa negociação é pública, ou seja, pode ser acompanhada pelo público em geral, e isso é uma coisa que muito estimulante, já que promove contatos e intercâmbios de experiências.


VENI VIDEO DOCMONTEVIDEO: VALE DUAS VIAGENS

O DocMontevideo é para se conhecer várias vezes. Primeiro porque o festival é bem organizado: todos meus emails foram respondidos em tempo e as solicitações formais (protocolos e certificados) foram entregues. Além da pontualidade, os eventuais cancelamentos e mudanças de horário e locação sempre foram divulgados em tempo hábil.  Além de tudo, vale dizer que a programação é um prato cheio para quem pesquisa documentarismo ou, ao menos, gosta de envolver com esse tema. O público é envolvente e isso faz com que exista boas trocas de contatos e experiências. Para quem ainda precisa de mais estímulos, estou certo de que esses ficam por conta do liberalismo uruguaio.

Abraços!
Fábio Monteiro

Sobre dublagens

Para quebrar o jejum de mais de doze meses sem atualização desse blog, eu retorno postando aqui a entrevista sobre dublagens cedida ao programa "Balanço Geral" em 10/01/2014. Mas antes, pra retomar uma conversa, talvez seja interessante dizer como ela se sucedeu.

Uma colega da área do Audiovisual daqui de SJC/SP entrou em contato comigo em meados de novembro de 2013 dizendo que alguém da Record entraria em contato comigo pra tratar acerca de dublagens, pois afinal eles queriam uma pauta sobre a preferência do público brasileiro pela dublagem em detrimento da legendagem. Eu disse ok, afinal esse me seria um tema familiar e, além disso, ele já andava pelos editoriais ao longo do ano de 2013. A Record entrou em contato em dezembro, porém a entrevista só veio a ser marcada em janeiro no Shopping Colinas.

A equipe quis filmar na porta do complexo de cinema do Shopping e foi tudo muito rápido, "um, dois e gravando... " e uma série de perguntas sobre a qualidade da dublagem brasileira, sobre os custos de um filme dublado e, então, quais os motivos da preferência pública pela dublagem. Frente a essas questões, a minha preocupação era levar em conta que o "Balanço Geral" tem média de 10 pontos no Ibope, ou seja, ele alcança diariamente uns 650 mil domicílios desde a Baixada Santista até o Vale do Paraíba. Então, procurei valorizar o cinema dublado a fim de promover adesão à ideia de que "tanto a dublagem quanto a legendagem" são diferentes traduções do filme. (Tudo bem, eu sei que isto pode ser questionável, entretanto seria motivo para outra plataforma de mídia...)

Eis a entrevista:

PS: Para encerrar, destaco que o registro original durou cerca de dez minutos. E há alguns detalhes que foram suprimidos na edição, como por exemplo:

01. Dublar é um negócio caro. Geralmente, os filmes dublados chegam a custar duas ou três vezes mais do que os filmes legendados devido ao número de profissionais envolvidos e todo o processo de finalização;

02. A dublagem brasileira é considerada entre as melhores do mundo devido à qualidade dos nossos artistas. Uma rápida pesquisa no youtube demonstra que há muitas reportagens sobre o tema devido à curiosidade que o público tem em saber quem são os "verdadeiros donos das vozes" que eles sempre ouvem. Dentre as muitas referências, recomendo esta produção da HBO;

03. Segundo o portal "filmeb" a cidade de SJC registrou uma média de 2,0 ingressos/ per capita no ano de 2012 - e esta é uma média alta para uma cidade com cerca de 650 mil habitantes. O detalhe importante é que mais da metade desses ingressos tiveram como destinos filmes dublados. Portanto, os registros em torno do mercado de SJC podem servir como uma boa referência para se estudar o mercado nacional.

Abraços!
Fábio Monteiro

natalie portman em "free zone"


Aqui, a cena inicial de "Free Zone" dirigida por Amos com uma simples conversa com Natalie Portman sobre suas lembranças na Guerra do Yom Kippur. No mais, a interpretação ficou por conta da trilha sonora.

Cena das mais belas na filmografia de Amos Gitai.

Abraços!
Fábio

Do encontro com Amos


Um Certificado assinado pela Renata de Almeida! Esta que foi a grande companheira de Leon Cakoff, o fundador da Mostra de Internacional de Cinema de SP e falecido em outubro do ano passado. Hoje, a Renata é que comanda a Mostra frente ao intenso e concorrido calendário de exibições cinematográficas que tem assolado, no bom sentido, o Brasil.

Mas aqui escrevo para traçar umas breves palavras sobre outra grande cabeça cinematográfica, a de Amos Gitai. O cineasta israelense chegou com uns quinze minutos de atraso na FAAP naquela 2º feira. Ele trajava um blazer preto e ray bans numa tarde paulista infernal de quente. Nós, ali entre os concretos e vidros da FAAP, tínhamos suas reservas pessoais e intransferíveis de água mineral em mãos, um detalhe de cinema que me fez lembrar rapidamente de como realmente seria a "free zone" oriental, aquela fronteira que Amos visitou entre Jordânia e Síria.

Amos começou falando um pouco sobre sua biografia, de como foi influenciado pelo pai - um dos pioneiros do Exodus que fundou Israel nos 1948 - e de como a Guerra determinou sua escolha pelo cinema: após ter presenciado a cabeça do colega médico explodir ao se lado no helicóptero, ele arrumou suas coisas e foi pra França nos início dos 1980.

A França dos 1980 era bem diferente da de hoje. À época, um tom mais cosmopolita e, pode-se dizer, mais benevolente aos artistas e intelectuais estrangeiros. Sendo assim, Amos foi bem acolhido entre seus pares profissionais do cinema e buscou estabelecer uma cinematografia pautada, de acordo com ele, em suas memórias, nas lembranças de suas famílias e amizades e na biografia de suas fronteiras territoriais natais.

Ele exibiu trechos de alguns filmes como "Free Zone", "Alila" e "Um dia você ainda entender" e teceu comentários sobre eles. Particlarmente, a história mais tocante foi sobre como ele se envolveu com Natalie Portman: na verdade, foi ela quem procurou trabalhar com ele enquanto rodava a série "Star Wars". "Claro que jamais teria condições de pagar os U$ 6 mi que ela recebia de cachê pela série, então quase me esqueci do convite..", Amos disse. Mas depois de seis meses, seu agente chamou sua atenção ao fato de que "não seria de bom tom fazer a Srta. Portman esperara tanto assim", risos na plateia.

No mais, ele se mostrou um profissional muito competente, dono de suas histórias, dedicado a ser um "arquiteto da memória", como ele se afirmou. Arquiteto de formação, Amos disse que não gosta de ver filmes, que raramente se dedica à cinefilia. Poeta por paixão, enfrentou de forma franca à pergunta que não queria calar e só foi ousada no fim do dia: "o que o senhor pensa da Guerra Israelo-Palestina?", perguntaram. "It's a fuckin' shit", Amos respondeu sob risos...

Abraços!
Fábio Monteiro